A equação da sustentabilidade

Publicado por João em 29-09-25 1:00

⚡ARTIGO LONGO. EM 3 LINHAS:

  • João Galamba liga idade de reforma à esperança de vida. A equação da Segurança Social: receitas (contribuições × salários × trabalhadores) = despesas (pensões × pensionistas).
  • O PS mexeu no calendário (idade), não nas variáveis reais: contribuições estagnadas, salários fracos, trabalhadores a diminuir, pensionistas a aumentar.
  • Esticar carreiras não fecha contas. É empurrar o tempo com a barriga. A receita do Centrão: trabalhar até morrer.

O ex-ministro João Galamba reagiu a uma proposta do PCP para repor a idade da reforma nos 65 anos, escrevendo:

“Não perder uma oportunidade de propor disparates. [...] Se a esperança média de vida passar dos 80 para os 85 ou 90, é normal que a idade de reforma aumente. Ligar a idade de reforma à esperança média de vida é assim tão descabido?”

E mais adiante, reforçou:

“Esperança de vida, carreira contributiva, evolução do PIB e da inflação isto está na lei há 20 anos e foi essa reforma que devolveu sustentabilidade intertemporal ao atual sistema de pensões.”

Galamba tem razão num ponto: a sustentabilidade é intertemporal.

A condição está escrita na equação fundamental do sistema de pensões:

equacaoSS

onde:

  • τ é a taxa contributiva,
  • W o salário médio,
  • L o número de contribuintes,
  • B a pensão média,
  • P o número de pensionistas.

Todas variáveis no tempo dt, integradas ao longo de décadas.
É isto que mede o equilíbrio entre receitas e despesas da Segurança Social.

Se a “área” das receitas não acompanha a das despesas, o sistema não fecha — por muito que se adie a idade de reforma.
Mexer apenas nesse parâmetro muda o calendário, não o saldo estrutural.

O quadro técnico está há muito escrito em lei:
Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007)

Mas a realidade é outra.


As variáveis em desequilíbrio

  • τ ficou praticamente estagnada.
    Trabalho não declarado e falsos recibos verdes continuam a corroer a base contributiva.
    ELA – Fact Sheet 2023 (PT)

  • W cresce pouco.
    A produtividade está presa a setores de baixo valor e a contratação coletiva é fraca.
    Subir o salário mínimo não basta sem ganhos amplos de valor acrescentado.
    Produtividade ≈ 76,7% da média da UE27 (2022).

  • L diminui.
    Baixa natalidade, emigração jovem, envelhecimento estrutural.
    O saldo populacional positivo deve-se quase só à imigração — logo, integração conta.
    INE 2024 – Projeções de População

  • B (pensão média) subiu com as atualizações extraordinárias.
    Socialmente justas, sim — mas sem W e L a crescerem, o integral das despesas acelera.
    Portaria 372-B/2024

  • P (número de pensionistas) aumenta estruturalmente.
    Envelhecimento e baixa fecundidade desde 1982 degradam o rácio ativos/pensionista.
    INE – Projeções de População 2070


A política do adiamento

Galamba reconhece a lógica intertemporal — e bem.

Mas com τ estagnada, W fraco, L curto e B·P a subir, o integral das receitas não cobre o das despesas.

Ligar a idade de reforma à esperança de vida teve (e tem) apenas um efeito prático: esticar carreiras.

O PS mexeu no calendário, não nas variáveis reais.

É fácil governar empurrando o tempo com a barriga.

Difícil é mexer naquilo que realmente fecha — ou não — a equação.

O Centrão falhou e deixou-nos como receita trabalhar até morrer.